sábado, 19 de abril de 2014

FALSTAFF, Theatro Municipal de São Paulo, Abril de 2014




FALSTAFF PUNK NO TMSP. CRÍTICA DE ALI HASSAN AYACHE DO BLOG DE ÓPERA E BALLET.
  
   Os comentários do público conhecedor de ópera sobre Falstaff de Verdi que estreou no Theatro Municipal de São Paulo no último dia 12 de Abril eram um só, Ambrogio Maestri. O burburinho do teatro estava todo em volta dele, desde as escadarias até os camarins todos falavam nas qualidades vocais do barítono italiano. Muitos lembravam que ele interpretara esse mesmo título no Metropolitan Opera House de Nova Yorque em Dezembro de 2013, ópera transmitida nos cinemas nacionais.

   Uma senhora emperequetada comentou com ar de sabedoria às amigas (no teatro as pessoas adoram mostrar intelectualidade), que não perderia por nada desse mundo a única ópera cômica de Verdi. Pensei com meus botões e lhe informei que Falstaff é a segunda ópera cômica de Verdi, a primeira, Um Giorno di Regno, escrita na juventude do compositor não fez sucesso algum e é quase desconhecida do público. Parece que a madame não gostou muito da argumentação, fez cara de poucos amigos e saiu da roda rapidinho. Quando entrou no teatro essa senhora ficou assustada, sua maquiagem quase derreteu devido a tamanho rubor, foi apresentada a punks se embebedando no palco, sem entender muito que se passava ela se acomodou em seu lugar e tirou as fotos de praxe.

     Ambrogio Maestri é a encarnação viva de Falstaff, especialista no papel título tendo cantado ele mais de duzentas vezes pelo mundo afora. Maestri não decepcionou os fãs. O corpanzil adequado ao personagem munido de uma voz de timbre equilibrado e de invulgar beleza, projeção impecável que enche o teatro sem o menor esforço, graves consistentes e uma interpretação cênica convincente fazem dele ser o Falstaff quase perfeito. Maestri tem todas as qualidades necessárias a um excelente Falstaff e a utiliza de maneira primorosa, consegue unir comicidade cênica e voz de maneira certeira. Os longos aplausos do público paulistano (vinte minutos segundo alguns) foram mais que merecidos.



 Ambrogio Maestri, foto Sergio Castro, Internet

    Outro que sempre mostra qualidades vocais é Rodrigo Esteves, o jovem barítono fez um Ford portentoso, defendeu suas passagens com voz de graves quentes e uma solidez técnica impressionante. Cativou o público com uma bela interpretação do personagem. Virginia Tola exibiu bons agudos e encarnou com boas qualidades cênicas Alice Ford. Destaco que todos os demais solistas se apresentaram de maneira condizente e em alto nível.

   A montagem se mostrou confusa e complexa. O universo imaginado pelo diretor Davide Livermore é a Inglaterra onde desfilam punks bêbados e seres estranhos. Homens verdes participam da ação e não acrescentam nada, em outro momento eles estão de preto e só atrapalham. Os cenários misturam Londres com o Teatro Municipal de São Paulo em mais uma ideia sem nexo. Tudo estático e sem o menor desenvolvimento cênico. Os figurinos seguem a mesma filosofia e abusam do xadrez britânico, tudo de um mau gosto tremendo. A luz simples, arroz com feijão acrescenta pouco. A ação se salva pelas grandes interpretações dos solistas e pelo dinâmico libreto de Arrigo Boito. A fábrica de cultura alardeada pela direção está virando a fábrica do motejo.

   A Orquestra Sinfônica Municipal regida por John Neschling se perdeu em algumas passagens no primeiro ato, a música não casava com o canto. A partir do segundo ato as coisas melhoraram e as belas melodias verdianas apareceram com clareza. O Coro Lírico Municipal de São Paulo mostrou equilíbrio nas vozes, nele desfilam vozes talentosas, muitos deles com nível de solista.
  

   Cena de Falstaff, Foto Internet.
  
   John Neschling anda alardeando pelas redes sociais que o Municipal estava lotado na récita de estreia, não estava caro amigo. Diversos lugares vazios no balcão simples e na galeria provam o contrário, ou será que para John esses setores não fazem parte do teatro? Era só perguntar quantas pessoas entraram no teatro e comparar com a capacidade total e você veria a diferença. Outra promessa não cumprida é os novos uniformes, desenhados por um famoso estilista (colete que parece de motoboy, camisetas polo e de malha com estampas, na feira da madrugada no Brás tem aos montes) não deram o ar da graça. O que se viu foram funcionários vestidos com o pretinho básico. E para piorar as coisas os problemas após a troca da empresa que vende os ingressos continuam: Muitos em duplicidade, uma página da internet confusa que sequer confirma a compra, enormes filas para a retirada e ingressos que não passam pelos leitores do código de barra são problemas comuns.


   A grande dúvida que permeia a mente desse escriba é porque os teatros brasileiros não trocam suas produções. Isso já ocorreu no passado de forma tímida, na atualidade impera o isolamento teatral. Exemplos não faltam de óperas feitas em uma cidade e pouco tempo depois uma nova produção estrear em outro local. Tivemos ano passado Falstaff no Theatro São Pedro e esse ano o mesmo título está em cartaz no Municipal de São Paulo. Carmen de Bizet está sendo apresentada no Municipal do Rio e em Maio outra produção estará em São Paulo. Salomé de Strauss está programada para o mesmo Municipal de São Paulo e dizem que outra produção será apresentada no Rio de Janeiro. Será que é difícil os diretores de teatro pensarem na racionalidade econômica e trocarem suas óperas. Infelizmente a lógica do capital público não é racional nesse país. Viva a gastança!

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